24 de nov. de 2006

Valerioduto tucano

Deu na Folha de São Paulo

PF diz que caixa 2 de tucano teve verba pública e privada

Dinheiro do esquema de Marcos Valério foi para campanha de Azeredo (PSDB) e aliados

Inquérito concluiu que operações contaram com depósitos de estatais de Minas Gerais, como Comig e Copasa, e construtoras

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


A investigação da Polícia Federal sobre a versão mineira do mensalão concluiu que o empresário Marcos Valério de Souza utilizou contas bancárias de suas empresas para girar dinheiro público e privado de um caixa dois que teve como beneficiários o senador tucano Eduardo Azeredo (MG) e aliados dele na eleição de 1998.
A prática configura crime de peculato, acusação que o Ministério Público Federal pretende sustentar contra Azeredo no Supremo Tribunal Federal. Pelo mesmo crime devem ser acusados Marcos Valério e Cláudio Mourão, tesoureiro de Azeredo na sua frustrada campanha de reeleição. O esquema foi mimetizado e ampliado depois, no governo Lula, gênese do escândalo do mensalão.
Um laudo do Instituto Nacional de Criminalística, que integra a conclusão do inquérito, indica que, em 1998, Valério fez 27 operações para injetar R$ 38 milhões em contas de suas empresas. Em nove empréstimos, contraídos dos bancos Rural e BCN, obteve R$ 34milhões. Segundo a PF, por meio de saques e transferências, parte do dinheiro foi para campanhas.
Parte dos repasses a políticos foi comprovada em documentos obtidos pela CPI dos Correios: docs do BCN (total de R$ 1,16 milhão) e outros do Rural, feitos em 28 de setembro, às vésperas do primeiro turno, que somam R$ 718,02 mil.
Azeredo declarou ao Tribunal Regional Eleitoral de Minas ter arrecadado R$ 8,5 milhões. Quando se tornou público o esquema, ele admitiu uma arrecadação paralela, de R$ 8,5 milhões, fruto de um empréstimo ao Rural -sem o seu conhecimento. Azeredo atribuiu a responsabilidade a Mourão.
O laudo pericial revela coincidência entre as datas em que Valério recebe créditos por supostos serviços a empresas públicas e privadas e pagamentos das parcelas dos empréstimos.
Parte dos pagamentos está relacionada em uma lista, cuja autoria é atribuída a Mourão, na qual há registro das entradas que teriam financiado o caixa dois. Pelo laudo, a maior parte da lista se confirma na análise das operações de Valério.
A PF comprovou que as estatais Comig (atual Codemig), Copasa (Cia. de Saneamento Básico de MG), além do Bemge, compraram cotas de R$ 1,5 milhão e R$ 1 milhão da prova motociclística Enduro da Independência, evento coordenado pelas empresas de Valério.

Cemig
Ainda nas estatais, a Cemig (Companhia Energética de MG) aportou R$ 1,7 milhão para a SMPB, agência de Valério. No dia seguinte, a empresa transferiu R$ 1,1 milhão para candidatos do PSDB. Também está confirmada na análise a existência de depósitos das empreiteiras Queiroz Galvão, ARG, Tercam, Erkal e Egesa.
Consta do laudo créditos que Valério recebeu da Fundacentro (Fundação Jorge Duprati Figueiredo, de Segurança e Medicina do Trabalho) e da ex-estatal Telesp. A Fundação, cuja conta publicitária era de Valério, fez pagamentos de R$ 12 milhões em conta ligada ao empresário no extinto banco Bandeirantes (há indícios de que notas apresentadas são de empresas fantasmas).
A PF pediu a quebra de sigilo dessa conta. A suspeita é que seja fonte de saques em espécie, à semelhança da agência do Banco Rural, em Brasília, de onde partiam os saques do mensalão, entre 2003 e 2004.
Quanto à Telesp, cuja conta de também era de Valério, a empresa pagou R$ 25 milhões por serviços do publicitário. Em 1998, ainda estatal, conforme a lista atribuída a Mourão, a Telesp teria recebido das empresas de Valério "títulos de origem fria", "no valor líquido de R$ 2,27 milhões, descontados no Banco Rural".
A Folha apurou que a Telefônica, que comprou a Telesp, informou à PF que, na contabilidade da antiga estatal, não há documentos para lastrear os serviços cobrados em cinco duplicatas de empresas de Valério (mais de R$ 2 milhões).
O laudo indica que as operações de Valério descrevem um ciclo. Depois do pico de 1998, há rolagens de dívidas e pagamentos, até 2003. É neste ano que o empresário inicia nova etapa, desta vez com empréstimos ao PT, para financiar o mensalão de petistas e aliados.


Outro lado

Azeredo diz que provará inocência

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) disse que a conclusão da investigação da Polícia Federal sobre sua campanha em 1998 "é boa oportunidade" para que ele possa "provar a inocência na Justiça".
Azeredo reafirmou que as verbas não declaradas oficialmente e usadas em sua campanha se resumem a R$ 8,5 milhões, tomados em um empréstimos bancário, sem o seu conhecimento à época: "Só não entendo por que investigam só a minha campanha que foi a mais correta, já que o empréstimo existiu, se há tantas outras para se investigar".
O advogado do empresário Marcos Valério, Marcelo Leonardo, a construtora ARG e a Codemig não responderam a recados da Folha.
Por meio da assessoria, a Cemig (Companhia Energética de MG) informou que os recursos destinados pela empresa "à agência -e não a Marcos Valério-" foram pagamento por serviços para esclarecer a população sobre "ações para uso eficiente de energia". Segundo a Cemig, as contas foram auditadas e aprovadas pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado).
Em nota por e-mail, a assessoria da Copasa (Companhia de Saneamento de MG) disse que não comentará o tema. O mesmo fez a construtora Queiroz Galvão. Diretor da Erkal, Alexandre Calil negou ter relação com Valério, a quem diz não conhecer: "Isso [notícia de que a Erkal fez pagamentos a Valério] é mentira".
A assessoria de imprensa da Fundacentro informou que sua diretoria não vai se pronunciar porque a investigação corre sob sigilo de Justiça. A Telefônica, que comprou a Telesp, disse que a empresa não tem relação com Valério e somente "guarda a documentação do espólio da antiga estatal".


Folha de São Paulo, sexta-feira, 24 de novembro de 2006

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