O Preguiçoso
O PREGUIÇOSO
Beiço pendente sobe a papada, papada pendente sobre o peitilho da camisa gomada, o comendador Salustiano tivera a felicidade de casar-se com uma senhora rica, viúva de dois maridos, e herdeira de três, a qual, para maior comodidade, lhe havia levado, já, dois filhos para o matrimônio. Derreado em uma cadeira de braços, nunca fizera nada, na vida. Limitava-se a comer o que lhe colocavam diante da boca, e, para vestir-se, era necessário que lhe metessem os botões na camisa, a gravata no colarinho, e lhe enfiassem, mesmo, as botinas nos pés.
Precisando de marido unicamente para lhe dar o nome, espécie de guarda-chuva com que afrontava os temporais, Dona Josefina pouco se afligia com aquele porco. Um dia, porém, irritou-se: ao lado da cadeira em que ele passava o dia, um lago de saliva sujava o tapete.
- Oh, Salustiano! - fez a moça. - Então, isso se faz? A escarradeira não estava alí?
- Estava; mas a dois metros de distância.
- Por que não chamou o criado, para aproximá-la?
- Ora... Só o trabalho de gritar!...
- Pois, olhe: eu vou mandar colocar aí, junto de você, uma campainha elétrica... Ouviu?
No dia seguinte, aparecia, realmente, o eletricista. Colocados os fios, os tímpanos, enfim, pronto o trabalho, explicou ele ao comendador, que o olhava, estúpido, com os seus olhos de suíno:
- Quando o senhor quiser chamar o criado, é só apertar aqui...
- Apertar? - fez Salustiano.
E as mãos caídas, o beiço mole:
- Não tem alguma coisa que toque, sem dar a gente o trabalho de apertar?
Fonte: Grãos de Mostarda - Contos Meùdos - Humberto de Campos (Conselheiro XX) - Livraria Editora Leite Ribeiro (Freitas Bastos, Spicer & Cia - 2º milheiro - 1925.
Beiço pendente sobe a papada, papada pendente sobre o peitilho da camisa gomada, o comendador Salustiano tivera a felicidade de casar-se com uma senhora rica, viúva de dois maridos, e herdeira de três, a qual, para maior comodidade, lhe havia levado, já, dois filhos para o matrimônio. Derreado em uma cadeira de braços, nunca fizera nada, na vida. Limitava-se a comer o que lhe colocavam diante da boca, e, para vestir-se, era necessário que lhe metessem os botões na camisa, a gravata no colarinho, e lhe enfiassem, mesmo, as botinas nos pés.
Precisando de marido unicamente para lhe dar o nome, espécie de guarda-chuva com que afrontava os temporais, Dona Josefina pouco se afligia com aquele porco. Um dia, porém, irritou-se: ao lado da cadeira em que ele passava o dia, um lago de saliva sujava o tapete.
- Oh, Salustiano! - fez a moça. - Então, isso se faz? A escarradeira não estava alí?
- Estava; mas a dois metros de distância.
- Por que não chamou o criado, para aproximá-la?
- Ora... Só o trabalho de gritar!...
- Pois, olhe: eu vou mandar colocar aí, junto de você, uma campainha elétrica... Ouviu?
No dia seguinte, aparecia, realmente, o eletricista. Colocados os fios, os tímpanos, enfim, pronto o trabalho, explicou ele ao comendador, que o olhava, estúpido, com os seus olhos de suíno:
- Quando o senhor quiser chamar o criado, é só apertar aqui...
- Apertar? - fez Salustiano.
E as mãos caídas, o beiço mole:
- Não tem alguma coisa que toque, sem dar a gente o trabalho de apertar?
Fonte: Grãos de Mostarda - Contos Meùdos - Humberto de Campos (Conselheiro XX) - Livraria Editora Leite Ribeiro (Freitas Bastos, Spicer & Cia - 2º milheiro - 1925.
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